Durante milhões e milhões de
anos, nosso sistema imunológico foi preparado pela evolução para atacar todos
os agentes estranhos que possam penetrar em nosso organismo e para proteger o
que é próprio de cada um de nós.
Mas, ao longo desses anos, certas
alterações nesse sistema acabaram por provocar mudanças nessa regulação de tal
forma que, vez ou outra, as células imunológicas se confundem e passam a
agredir os tecidos que na verdade elas deveriam proteger. Por conta disso, em
1932 o médico Burril B.Crohn e seus colaboradores descreveram pela primeira vez
a Doença de Crohn.
A Doença de Crohn é uma doença
inflamatória crônica do trato gastrointestinal. Ela afeta predominantemente a
parte inferior do intestino delgado (íleo) e intestino grosso, mas pode afetar
qualquer parte do trato gastrointestinal, da boca até o ânus, assim como todas
as camadas da parede intestinal: mucosa, submucosa, muscular e serosa. É um
distúrbio inflamatório crônico do intestino, do qual até o momento as causas
são desconhecidas. De uma maneira geral podemos dizer que é provavelmente uma
combinação de fatores ambientais e genéticos.
Acontece assim:
As células
imunologicamente ativas acabam agredindo o aparelho digestivo, provocando
lesões importantes, podendo criar fístulas(comunicações entre o intestino e a
pele ou outra estrutura interna abdominal), abcessos, perfuração intestinal,
infecções ou estreitamento intestinal (estenose), além de dor abdominal,
aumento da velocidade do trânsito intestinal, diarreia (muitas vezes com
sangue), esfoliação, dificuldade para absorver os nutrientes, falta de apetite
e enfraquecimento.
Para vocês entenderem melhor: A doença
de Crohn é o oposto do que acontece com o HIV. O paciente com HIV tem CD-4 baixo (linfócitos
que coordenam a resposta imunológica). Na doença de Crohn, CD-4 está
estimulado. Atualmente se imagina que, por predisposição genética, quando o
organismo entra em contato com substâncias estranhas ou antígenos (que podem
existir numa bactéria da flora normal do intestino humano), esse sistema
imunológico seja muito estimulado. Em indivíduos geneticamente predispostos,
uma lesão da mucosa intestinal desencadeada, por exemplo, por fatores
ambientais, origina rapidamente uma inflamação crônica e uma ativação contínua
e excessiva das respostas imunitárias porque há uma incapacidade para remover
as bactérias e reparar os defeitos epiteliais
Os pacientes podem apresentar outros
sintomas extra intestinais como:artrite (afetando cerca de 30% dos pacientes),
febre, sintomas oculares, erupções cutâneas ou doenças fúngicas dolorosas e
avermelhadas nas pernas.
Pesquisas mostram que a DC
relaciona-se com o uso de xenobióticos, tais como conservantes, corantes para
alimentos, pesticidas, etc. Nas pessoas com predisposição genética, essas
substâncias que no Brasil são adicionadas à comida em grande quantidade, podem
estimular o sistema imunológico e provocar a manifestação da doença. Fala-se,
ainda, que o uso de estrógeno estaria entre os fatores desencadeantes, mas isso
ainda não foi cientificamente comprovado e apesar da etiologia e patogênese
permanecerem desconhecidas, grandes avanços foram feitos e hoje sabe-se que,
muito provavelmente, esta é uma doença multifatorial que resulta da interação
da genética e ambiente com os microorganismos, sistema imunitário e epitélio
intestinal cuja incidência tem vindo a aumentar em todo o mundo.
Os progressos dos estudos em
genética molecular têm permitido a compreensão dos mecanismos patogênicos de
uma série de diferentes doenças e fornecido importantes avanços para o
desenvolvimento de novos tratamentos, inclusive para a DC.
Porém, apesar do grande número de terapêuticas disponíveis
no mercado para o tratamento da DC, ainda há doentes que não conseguem obter
resposta mesmo com os novos agentes utilizados atualmente.Vemos então, que apesar de terem
sido dados grandes passos no conhecimento da etiologia e patogênese da DC,
ainda muito se necessita ser feito e há perguntas cujas respostas são
especulativas:
Os grandes avanços na área da
imunologia e no conhecimento da patogênese da doença, permitiram o
desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas importantes no futuro da DC:
inibição das citocinas inflamatórias, estimulação de citocinas
anti-inflamatórias, inibição das moléculas de adesão, entre outras. A
compreensão do importante papel das citocinas na patogênese da DC, juntamente
com as novas tecnologias dos anticorpos monoclonais, tornou possível o
desenvolvimento de um novo grupo de fármacos conhecidos como agentes biológicos
que são anticorpos monoclonais que bloqueiam seletivamente as moléculas
implicadas no processo inflamatório.
Desde o ano de 1997, data em que o infliximabe(Remicade) se tornou
disponível no mercado, que o uso generalizado destes agentes nos últimos anos
ofereceu uma solução clínica importante a doentes anteriormente considerados
intratáveis.
Temos também o adalimumabe(Humira), é um anticorpo
monoclonal IgG1 totalmente humano com administração subcutânea, ao contrário do
infliximabe que é administrado por
via endovenosa, tendo uma eficácia e segurança idêntica ao infliximabe, levando
em conta que não possui nenhuma sequência de origem animal, é menos imunogênico
e mais tolerável. No entanto, tal como o infliximabe,
apresenta um aumento do risco de infecção, reativação de tuberculose latente e
linfomas, entre outros efeitos adversos. Assim, o adalimumabe não deve ser administrado perante infecções ativas e
além disso, os doentes devem ser avaliados para fatores de risco da tuberculose
e infecção latente antes de iniciarem o tratamento.
Sabemos que a evolução da DC varia
de indivíduo para indivíduo, mas não sabemos até o momento como prever a
evolução de um curso mais leve para um curso mais severo. Provavelmente a
evolução de severidade da doença é controlada geneticamente. Cientistas estão
estudando os fatores importantes no desenvolvimento da severidade;
Assim sendo, trabalhos futuros
devem apostar na identificação dos fatores de risco ambientais, na
caracterização dos microorganismos presentes no lúmen intestinal, na
contribuição dos fatores genéticos para o desencadeamento da resposta
imunitária, identificação de todas as citocinas envolvidas no processo
inflamatório e dos mecanismos responsáveis pela alteração da barreira
epitelial.
E, embora nas últimas décadas uma
série de novos agentes tenham vindo a ser desenvolvidos, há ainda uma grande
necessidade de novas terapêuticas farmacológicas para combater a doença e
ajudar a melhorar a qualidade de vida daqueles que todos os dias têm de lidar
com as múltiplas complicações de uma doença que ainda não tem cura, mas que
pode ser atenuada. Mais uma vez, isto só será possível quando se conseguir
estabelecer com certeza qual a etiologia e os mecanismos envolvidos na DC e com
a utilização de um tratamento multifatorial.
Assim, concluimos que só com um
conhecimento completo da etiologia e patogênese da DC se conseguirá progredir
no sentido da cura.
E, se considerarmos o caminho já
percorrido até agora no que diz respeito ao desenvolvimento científico e tecnológico,
é bem possível que, no futuro, possamos dizer a todos os pacientes que são
encaminhados para uma consulta especializada da DII, que esta é uma doença
curável medicamente num curto espaço de tempo.
“ Valeu a pena? Tudo
vale a pena se a alma não é pequena”
Fernando Pessoa
GLOSSÁRIO
CITOCINAS: São proteínas que modulam a função de outras células ou da própria célula que as geraram. São produzidas por diversas células, mas principalmente por linfócitos e macrófagos ativados, sendo importantes para o controle da resposta imune (
DC: Doença de Crohn
DII: Doença inflamatória intestinal
GENÉTICA: É a ciência que estuda o DNA e os gens. Geneticistas são cientistas que fazem pesquisa em genética.
GENE: É um pequeno segmento do DNA. Os gens codificam e reconhecem proteínas e governam a sua produção. Proteínas são ferramentas essenciais para a vida e para o trabalho de nossas células. O gene é a unidade fundamental da hereditariedade. sendo formado por uma seqüência específica de ácidos nucléicos (biomoléculas mais importantes do controle celular, pois contêm a informação genética. Existem dois tipos de ácidos nucléicos: ácido desoxirribonucléico – DNA- e ácido ribonucléico – RNA).
IMUNOLOGIA: Especialidade da biologia dedicada ao sistema imunológico, que abrange todas as funções de um ser vivo para combater as os agentes infecciosos.
MUTAÇÃO: É uma pequena alteração na constituição química de um gen. Quando um gen sofre mutação, sua proteína pode estar ausente ou anormal e sua função normal está abolida ou alterada.
SUSCETIBILIDADE GENÉTICA: É um gen que quando sofre mutação pode levar a uma maior predisposição das pessoas que o possuem a desenvolver determinada doença.
XENOBIÓTICOS: Substâncias estranhas a um organismo (do grego: xeno= estranho; biótico: à vida). Podem ser encontradas em um organismo, mas não são normalmente produzidos ou esperados existir no mesmo
Bibliografia: