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quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Emoções x DII



A relação mente-corpo é tema de investigação desde tempos imemoriais e na cultura ocidental temos na Grécia antiga seu grande berço. No século XIX foi foco de investigação nos trabalhos de Charcot, Breuer e Freud, e vem sendo amplamente explorada na literatura científica nos últimos anos em diversas especialidades, entre elas a psiquiatria e a gastroenterologia (Castro e Andrade, 2006; Coelho e Àvila, (2007 e Dantas, 2010).

Sigmund Freud, em 1886, destacou o papel do sofrimento psíquico na gênese de alterações orgânicas como diarreia, constipação e dor abdominal. Incialmente, as Doenças Inflamatórias Intestinais (DII) foram consideradas doenças psicossomáticas, e embora atualmente a compreensão da causalidade seja multifatorial, o trato gastrointestinal é comumente acometido por sintomas somáticos com possível modulação pelos aspectos emocionais (Ballone et al., 2007; Lima et al., 2012 e Sajadinejad et al., 2012).

A realidade psíquica torna-se um mundo pessoal, cujo desenvolvimento ocorre com base em uma troca constante à medida que o sujeito vive e coleta experiências. Sua situação existencial depende de como se relaciona com o mundo e com que qualidade reage à realidade (Ballone et al., 2007; Czeresnia, 2007 e Rosa e Rosa, 2007).

No adoecimento físico, o corpo é a grande referência do sujeito que sofre, a enfermidade que se apresenta coloca-se como ponto de estofo, regulando a vida e os pensamentos do paciente, atormentando-o (Nicolau, 2008).

O termo psicossomática surgiu a partir do século passado, quando Heinroth criou as expressões psicossomática (1918) e somatopsíquica (1928) distinguindo os dois tipos de influência e as duas diferentes direções. Contudo, o movimento só se consolidou em meados deste século com Alexander e a Escola de Chicago.
Na atualidade, a Psicossomática refere-se ao estudo da pessoa como ser histórico. É o estudo das relações mente/corpo com ênfase na explicação psicológica da patologia somática, uma proposta de assistência integral e uma transcrição para a linguagem psicológica dos sintomas corporais.

A gravidade de uma patologia depende tanto dos recursos do indivíduo para enfrentar as tensões, como da duração e intensidade dessas tensões. A caracterização de uma vivência do sujeito como traumática depende dos recursos que ele conseguiu desenvolver ao longo da vida e da intensidade do estímulo e/ou evento ao qual está sendo submetido.

A emoção busca a expressão, por meio da linguagem, para solucionar o estado de necessidade e obter satisfação. No entanto, se esse processo for total ou parcialmente bloqueado, a solução não é adequada, a ação mostra-se comprometida e a emoção fica contida, o que implica que a manifestação da emoção fez-se de forma indireta e/ou simbólica.  Aproximamo-nos, nesse momento, do conceito de somatização.
Por ser o corpo uma via de expressão de desajustes mentais no caso dos pacientes psicossomáticos, nos dá a possibilidade de trilhar o caminho corpo - mente quando nos referimos ao cuidar, auxiliando-o em uma maior percepção de si e consequente melhora em sua qualidade de vida.

São inúmeras as conseqüências que uma doença crônica acarreta na vida de seus portadores. Atualmente, maior atenção têm sido dedicada à adaptação psicossocial de indivíduos que convivem com doenças de longa duração, cujas etiologias permanecem duvidosas e os tratamentos insatisfatórios sob o ponto de vista da cura.

As DII acometem ambos os sexos, sendo mais comum em brancos e judeus. Os primeiros sintomas aparecem principalmente na segunda ou terceira décadas de vida, com maior incidência entre a segunda e quarta décadas (Jones et al. 1971 e Laudanna, 1990; Brasil, 2002; Gordon, 2006; Oliveira et al 2010).

A etiologia é tida como desconhecida, existindo várias teorias que incluem causas infecciosas, genéticas, imunológicas, fatores ambientais associados à alimentação, tabagismo e fatores psicológicos com alterações psicossomáticas. A maioria dos autores concorda que as causas possíveis podem ser um conjunto de fatores e apontam para o aumento na frequência em membros da mesma família. A teoria mais aceita atualmente é a teoria imunológica com destaque para o papel das emoções no sistema imunológico, na qual o estresse desempenha papel importante (Jones et al. 1971; Laudanna, 1990; Brasil 2007 e Lima et al. 2012).

O fator psicológico tem sido sugerido como fator etiológico. Muitos indivíduos com doenças inflamatórias intestinais são tidos como dependentes ou perfeccionistas passivos e ansiosos por agradar. Os comportamentos para lidar com essa situação são geralmente inadequados e podem incluir reclusão, negação e repressão.
Tem caráter imprevisível, variando com o tempo de evolução e o local macroscópico de acometimento. Pode apresentar períodos de exacerbação e remissão não relacionados a quaisquer fatos identificáveis. A formação de fístulas, fissuras e abcessos ocorre à medida que a inflamação se estende no peritônio. Granulomas ocorrem na metade dos casos; o início dos sintomas é incidioso, com notável dor abdominal e diarreia não aliviadas à defecação; o excesso de peristaltismo causa câimbras, que por sua vez limita a ingesta alimentar, ocasionando diminuição do peso, má nutrição e anemia secundária. As úlceras que se formam no interior da membrana intestinal levam à enterorragia com odor característico, ocasionado pela presença de pus. Pode apresentar manifestações extra-intestinais articulares, urinárias, dermatológicas, hepáticas e oculares.

O processo digestório pode ser comparado ao sistema respiratório, já que é através da respiração que captamos o ambiente ao nosso redor e o assimilamos (inspiração), e tudo aquilo que não nos será necessário é devolvido (expiração).

O abdome é a caixa de ressonância das emoções. O trato gastrointestinal é filogeneticamente o sistema mais velho do corpo, e daí ser muito usado para expressar emoções que não se podem expressar pelas vias regulares.
A respiração é regida pelo elemento ar, enquanto que a digestão pertence ao elemento terra, condição essa que lhe confere uma dinâmica mais material.

Em comparação com as atividades mentais, que através do cérebro ou consciência recebe e digere as impressões imateriais do mundo, a digestão tem uma relação mais profunda com a dimensão material do corpo. A digestão abrange a captação das impressões materiais do mundo, a discriminação do que é suportável ou não, da assimilação dos materiais benéficos e expulsão dos indigeríveis. Ela está relacionada à razão e ao processo usado de forma racional para digerir o que vem de fora, ou seja, a forma como lidamos com situações concretas.

O sistema digestório é o responsável pela captação do ambiente de elementos necessários a nossa sobrevivência e de sua transformação em substâncias prontamente utilizáveis por nós. Os alimentos que o homem ingere proporcionam substâncias necessárias para a manutenção do metabolismo orgânico e fornece nutrientes para as atividades desenvolvidas pelo organismo. A absorção das substâncias alimentícias pelo organismo ocorre após sua transformação em constituintes mais simples e solúveis. Isso se dá por processos mecânicos e químicos denominados digestão, nos quais existe a interferência de mecanismos nervosos e hormonais.

No intestino delgado ocorre a verdadeira digestão dos alimentos, através de um processo de divisão dos mesmos em seus elementos componentes (análise) e sua possível assimilação. Portanto, quando nos deparamos com moléstias no intestino delgado, devemos atentar para a possibilidade de estar envolvido um importante componente analítico, pois a função deste órgão é analisar, separar em partes, verificar os detalhes. Ele também indica um medo excessivo da sobrevivência, de não conseguir aproveitar bem e morrer de fome, já que é lá que eles são aproveitados.
A diarreia é um sintoma comum associado ao intestino delgado, e está ligado a problemática do medo (ele está cagado de medo, está se borrando de medo). Quando temos medo, não sobra tempo para análise das impressões, e assim a expelimos sem serem digeridas. Assim sendo, nos retiramos para um lugar tranquilo e agradável, onde podemos deixar os acontecimentos seguirem seu curso. Com isso, há perda de líquido que dá flexibilidade necessária para expandir e transpor as fronteiras do eu que nos infundem medo e causam sensação de aperto.

No intestino grosso há finalização da digestão, com a absorção da água que restou nos alimentos digeridos. A psicanálise interpreta a defecação como um ato de doação e generosidade, e o excremento tem relação simbólica com o dinheiro. Se o intestino delgado corresponde ao consciente analítico, o intestino grosso corresponde ao inconsciente, no sentido literal ao submundo, e as fezes são conteúdos do inconsciente. Quem teme perder a vida, ou afirmar a própria personalidade, perde sangue e muco. São pessoas grudentas, pegajosas, que têm necessidade de se fazerem boazinhas e, dessa forma, renunciam da sua própria personalidade e vivem em função do outro.

Os sintomas das doenças intestinais podem eclodir diante de situações que, para a pessoa, envolvam ou reportem estresse, como a necessidade de maior independência, aumento de responsabilidade, esforço e concentração.

O Estudo das DII, por meio da compreensão psicossomática, permite que sejam analisados os sintomas, não como corpos estranhos a ser erradicados, mas como mensageiros de um apelo a ser compreendido. Por intermédio deles, pode ser resgatada a história de um indivíduo. História esta que, se conscientemente vivida e analisada, permite o desenvolvimento até níveis mais evoluídos de entendimento e harmônicos de funcionamento da pessoa.

É importante considerar que toda doença (mental, somática ou comportamental) apesar de seu caráter desviante e regressivo é, ainda, uma tentativa de estabelecimento de um equilíbrio do organismo, que não consegue enfrentar as tensões internas ou externas às quais está submetido por intermédio de recursos mais evoluídos.

É a dor compartilhada, frequentemente por nós negada, recusada, que remete cada um de nós a nosso desamparo mais fundamental: a necessidade de sermos também cuidados.
A afetividade pode exercer influência sobre o corpo, a saúde e a qualidade de vida. Relações entre emoções positivas como a felicidade, o bom humor e o riso são estabelecidas na  manutenção e/ou recuperação da saúde, enquanto que emoções negativas podem comprometê-la (Maslow, 1969 e Maslow, 2009).


Rita



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