A relação mente-corpo é tema de
investigação desde tempos imemoriais e na cultura ocidental temos na Grécia
antiga seu grande berço. No século XIX foi foco de investigação nos trabalhos
de Charcot, Breuer e Freud, e vem sendo amplamente explorada na literatura
científica nos últimos anos em diversas especialidades, entre elas a
psiquiatria e a gastroenterologia (Castro e Andrade, 2006; Coelho e Àvila, (2007
e Dantas, 2010).
Sigmund Freud, em 1886, destacou
o papel do sofrimento psíquico na gênese de alterações orgânicas como diarreia,
constipação e dor abdominal. Incialmente, as Doenças Inflamatórias Intestinais
(DII) foram consideradas doenças psicossomáticas, e embora atualmente a
compreensão da causalidade seja multifatorial, o trato gastrointestinal é
comumente acometido por sintomas somáticos com possível modulação pelos
aspectos emocionais (Ballone et al., 2007; Lima et al., 2012 e Sajadinejad et
al., 2012).
A realidade psíquica torna-se um
mundo pessoal, cujo desenvolvimento ocorre com base em uma troca constante à
medida que o sujeito vive e coleta experiências. Sua situação existencial
depende de como se relaciona com o mundo e com que qualidade reage à realidade
(Ballone et al., 2007; Czeresnia, 2007 e Rosa e Rosa, 2007).
No adoecimento físico, o corpo é
a grande referência do sujeito que sofre, a enfermidade que se apresenta
coloca-se como ponto de estofo, regulando a vida e os pensamentos do paciente,
atormentando-o (Nicolau, 2008).
O termo psicossomática surgiu a
partir do século passado, quando Heinroth criou as expressões psicossomática
(1918) e somatopsíquica (1928) distinguindo os dois tipos de influência e as
duas diferentes direções. Contudo, o movimento só se consolidou em meados deste
século com Alexander e a Escola de Chicago.
Na atualidade, a Psicossomática
refere-se ao estudo da pessoa como ser histórico. É o estudo das relações
mente/corpo com ênfase na explicação psicológica da patologia somática, uma
proposta de assistência integral e uma transcrição para a linguagem psicológica
dos sintomas corporais.
A gravidade de uma patologia
depende tanto dos recursos do indivíduo para enfrentar as tensões, como da
duração e intensidade dessas tensões. A caracterização de uma vivência do
sujeito como traumática depende dos recursos que ele conseguiu desenvolver ao
longo da vida e da intensidade do estímulo e/ou evento ao qual está sendo
submetido.
A emoção busca a expressão, por
meio da linguagem, para solucionar o estado de necessidade e obter satisfação.
No entanto, se esse processo for total ou parcialmente bloqueado, a solução não
é adequada, a ação mostra-se comprometida e a emoção fica contida, o que
implica que a manifestação da emoção fez-se de forma indireta e/ou simbólica. Aproximamo-nos, nesse momento, do conceito de
somatização.
Por ser o corpo uma via de
expressão de desajustes mentais no caso dos pacientes psicossomáticos, nos dá a
possibilidade de trilhar o caminho corpo - mente quando nos referimos ao
cuidar, auxiliando-o em uma maior percepção de si e consequente melhora em sua
qualidade de vida.
São inúmeras as conseqüências que
uma doença crônica acarreta na vida de seus portadores. Atualmente, maior
atenção têm sido dedicada à adaptação psicossocial de indivíduos que convivem
com doenças de longa duração, cujas etiologias permanecem duvidosas e os
tratamentos insatisfatórios sob o ponto de vista da cura.
As DII acometem ambos os sexos,
sendo mais comum em brancos e judeus. Os primeiros sintomas aparecem
principalmente na segunda ou terceira décadas de vida, com maior incidência
entre a segunda e quarta décadas (Jones et al. 1971 e Laudanna, 1990; Brasil, 2002;
Gordon, 2006; Oliveira et al 2010).
A etiologia é tida como
desconhecida, existindo várias teorias que incluem causas infecciosas,
genéticas, imunológicas, fatores ambientais associados à alimentação, tabagismo
e fatores psicológicos com alterações psicossomáticas. A maioria dos autores
concorda que as causas possíveis podem ser um conjunto de fatores e apontam
para o aumento na frequência em membros da mesma família. A teoria mais aceita
atualmente é a teoria imunológica com destaque para o papel das emoções no
sistema imunológico, na qual o estresse desempenha papel importante (Jones et
al. 1971; Laudanna, 1990; Brasil 2007 e Lima et al. 2012).
O fator psicológico tem sido sugerido
como fator etiológico. Muitos indivíduos com doenças inflamatórias intestinais
são tidos como dependentes ou perfeccionistas passivos e ansiosos por agradar.
Os comportamentos para lidar com essa situação são geralmente inadequados e
podem incluir reclusão, negação e repressão.
Tem caráter imprevisível,
variando com o tempo de evolução e o local macroscópico de acometimento. Pode
apresentar períodos de exacerbação e remissão não relacionados a quaisquer fatos
identificáveis. A formação de fístulas, fissuras e abcessos ocorre à medida que
a inflamação se estende no peritônio. Granulomas ocorrem na metade dos casos; o
início dos sintomas é incidioso, com notável dor abdominal e diarreia não
aliviadas à defecação; o excesso de peristaltismo causa câimbras, que por sua
vez limita a ingesta alimentar, ocasionando diminuição do peso, má nutrição e anemia
secundária. As úlceras que se formam no interior da membrana intestinal levam à
enterorragia com odor característico, ocasionado pela presença de pus. Pode
apresentar manifestações extra-intestinais articulares, urinárias, dermatológicas,
hepáticas e oculares.
O processo digestório pode ser
comparado ao sistema respiratório, já que é através da respiração que captamos
o ambiente ao nosso redor e o assimilamos (inspiração), e tudo aquilo que não
nos será necessário é devolvido (expiração).
O abdome é a caixa de ressonância
das emoções. O trato gastrointestinal é filogeneticamente o sistema mais velho
do corpo, e daí ser muito usado para expressar emoções que não se podem
expressar pelas vias regulares.
A respiração é regida pelo
elemento ar, enquanto que a digestão pertence ao elemento terra, condição essa
que lhe confere uma dinâmica mais material.
Em comparação com as atividades
mentais, que através do cérebro ou consciência recebe e digere as impressões
imateriais do mundo, a digestão tem uma relação mais profunda com a dimensão
material do corpo. A digestão abrange a captação das impressões materiais do
mundo, a discriminação do que é suportável ou não, da assimilação dos materiais
benéficos e expulsão dos indigeríveis. Ela está relacionada à razão e ao processo
usado de forma racional para digerir o que vem de fora, ou seja, a forma como
lidamos com situações concretas.
O sistema digestório é o
responsável pela captação do ambiente de elementos necessários a nossa
sobrevivência e de sua transformação em substâncias prontamente utilizáveis por
nós. Os alimentos que o homem ingere proporcionam substâncias necessárias para
a manutenção do metabolismo orgânico e fornece nutrientes para as atividades desenvolvidas
pelo organismo. A absorção das substâncias alimentícias pelo organismo ocorre
após sua transformação em constituintes mais simples e solúveis. Isso se dá por
processos mecânicos e químicos denominados digestão, nos quais existe a
interferência de mecanismos nervosos e hormonais.
No intestino delgado ocorre a
verdadeira digestão dos alimentos, através de um processo de divisão dos mesmos
em seus elementos componentes (análise) e sua possível assimilação. Portanto,
quando nos deparamos com moléstias no intestino delgado, devemos atentar para a
possibilidade de estar envolvido um importante componente analítico, pois a
função deste órgão é analisar, separar em partes, verificar os detalhes. Ele
também indica um medo excessivo da sobrevivência, de não conseguir aproveitar
bem e morrer de fome, já que é lá que eles são aproveitados.
A diarreia é um sintoma comum
associado ao intestino delgado, e está ligado a problemática do medo (ele está
cagado de medo, está se borrando de medo). Quando temos medo, não sobra tempo
para análise das impressões, e assim a expelimos sem serem digeridas. Assim
sendo, nos retiramos para um lugar tranquilo e agradável, onde podemos deixar
os acontecimentos seguirem seu curso. Com isso, há perda de líquido que dá
flexibilidade necessária para expandir e transpor as fronteiras do eu que nos
infundem medo e causam sensação de aperto.
No intestino grosso há
finalização da digestão, com a absorção da água que restou nos alimentos
digeridos. A psicanálise interpreta a defecação como um ato de doação e
generosidade, e o excremento tem relação simbólica com o dinheiro. Se o
intestino delgado corresponde ao consciente analítico, o intestino grosso
corresponde ao inconsciente, no sentido literal ao submundo, e as fezes são
conteúdos do inconsciente. Quem teme perder a vida, ou afirmar a própria
personalidade, perde sangue e muco. São pessoas grudentas, pegajosas, que têm
necessidade de se fazerem boazinhas e, dessa forma, renunciam da sua própria
personalidade e vivem em função do outro.
Os sintomas das doenças
intestinais podem eclodir diante de situações que, para a pessoa, envolvam ou
reportem estresse, como a necessidade de maior independência, aumento de
responsabilidade, esforço e concentração.
O Estudo das DII, por meio da
compreensão psicossomática, permite que sejam analisados os sintomas, não como
corpos estranhos a ser erradicados, mas como mensageiros de um apelo a ser
compreendido. Por intermédio deles, pode ser resgatada a história de um
indivíduo. História esta que, se conscientemente vivida e analisada, permite o
desenvolvimento até níveis mais evoluídos de entendimento e harmônicos de
funcionamento da pessoa.
É importante considerar que toda doença (mental, somática ou comportamental) apesar de seu caráter desviante e regressivo é, ainda, uma tentativa de estabelecimento de um equilíbrio do organismo, que não consegue enfrentar as tensões internas ou externas às quais está submetido por intermédio de recursos mais evoluídos.
É a dor compartilhada, frequentemente por nós negada, recusada,
que remete cada um de nós a nosso desamparo mais fundamental: a necessidade de
sermos também cuidados.
A afetividade pode exercer
influência sobre o corpo, a saúde e a qualidade de vida. Relações entre emoções
positivas como a felicidade, o bom humor e o riso são estabelecidas na manutenção e/ou recuperação da saúde, enquanto
que emoções negativas podem comprometê-la (Maslow, 1969 e Maslow, 2009).
Rita
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