Aqui está o texto na íntegra elaborado e lido pela paciente Lila
Vitor, que autorizou a publicação desde que não fosse editado, o que eu já
havia decidido e de forma alguma faria.
É sincero, tem humor, emoção e verdade! Então... para quem não gostar
de palavrões, como diz a Rita Lee e cai como uma luva não somente para nós,
portadores de Doença Inflamatória Intestinal, mas para todos: “Meu passado e
meu futuro...Tudo vira bosta”
Apreciem...sem moderação..rs
São Paulo, 29 de julho de 2014.
Minha história começou no inverno de
1966 no ABC paulista, precisamente em Santo André, onde nasci. Um anjo
embriagado sussurrou nos ouvidos da minha mãe, que eu viveria bem até os 38
anos de idade, depois, ficaria muito doente. Minha mãe se desesperou e, o anjo
a consolou dizendo que no próximo ano (1967), também no inverno, viria ao mundo
um anjo que muito me ajudaria; ele nasceria no Nordeste ou Norte do Brasil e
cruzaria meu caminho em São Paulo, e apareceria disfarçado de médico. Minha mãe
estranhou, e rindo disse ao anjo: - “Médico vindo do Norte e Nordeste? Aqui no
ABC? Impossível! De lá pra cá, só vem metalúrgico!” Ao que o anjo respondeu: -
“Aguarde”. Minha mãe na verdade, estava muito mais preocupada com o Festival de
Woodstock que se realizaria dali a três anos, do que com a minha saúde
futura...rsrsrs
Em 2005 com 39 anos, a contragosto, fui
apresentada a Doença de Crohn. Ela chegou como um Tsunami, abortando planos,
engavetando projetos e dizimando sonhos. E ela não veio sozinha; trouxe consigo
a depressão e a vontade de morrer. Foram seis anos de sofrimento passando pelas
mãos de gastro, reumato, hemato, dermato, psicólogo e psiquiatra. Percorrendo
várias clínicas e hospitais do ABC e da cidade de São Paulo. Cansada, deprimida
e de saco cheio recorri ao suicídio duas vezes, é óbvio que falhei, né? Vi a
cara da Dona Coisa (nome que dei á morte) quatro vezes, mas pelo jeito ela não
foi muito com a minha cara e me obrigou a ficar por aqui mesmo... Desanimada e
sem poder sentar por causa das “Meninas Diabólicas” (nome que dei ás fístulas),
resolvi seguir os conselhos de um gastro e, fui parar no segundo andar do
Hospital Heliópolis. Enquanto esperava para ser atendida pelo médico de nome
exótico, observava incrédula os comentários que as pessoas do povo (como eu),
simples e sofrida teciam sobre ele, o médico de nome exótico: “Ele é um anjo!”
“Foi Deus que o colocou em meu caminho!” “Não sei o que seria da minha neta sem
ele!” E eu, mais pra ateia do que religiosa, pensei: “Caralho! Esse médico deve
ter parte com Deus ou com o diabo!” E, eis que surge uma figura alta, magra,
cabeçuda, de barba, com uma mochila nas costas, parecia recém chegado de São
Tomé das Letras. (Me fez lembrar Dom Quixote, o cavaleiro andante). Ele cumprimentou
as pessoas uma a uma. A senhora sentada ao meu lado confidenciou: “Ele é o
médico”. Pensei: “Fodeu! Morri! Se esse
cara for médico eu sou a Gisele Bündchen!” Confesso que a primeira vista não
botei muita fé nele, embora, algo o diferenciava dos outros médicos que eu
havia conhecido; ele olhava a gente nos olhos. Senti-me abraçada, solidarizada.
Até que enfim alguém que não me via como um intestino ou um cu andante. Ele olhava
com ternura. Então notei a grandeza de sua alma e, entendi as pessoas no
corredor de espera...
Passado três anos, eis-me aqui, linda e
afro! Estou bem, graças a ele também. Como estarei amanhã? Não sei e nem me
interessa saber... Uma vida normal nunca mais tive, nem nunca terei... Mas
também foda-se! Acho a normalidade uma chatice só... Bom, deixa-me parar, que
já to viajando... Só gostaria de concluir que outros anjos cruzaram meu caminho,
e que eu peço ao meu Deus, do meu modo, que os abençoe: como a Dra. Andréia da
Santa Casa de São Paulo, o Dr. Edgard Mesquita Rodrigues Lima que beijou minha
testa antes da cirurgia, o Dr. Tiveron que me abraçou e me disse pra confiar,
ambos da Amico; a enfermeira Sara, que me deu um safanão me chamando à razão, a
faxineira Vera que pediu permissão para pôr meu nome no “colo de Jesus” (em um
programa do Padre Marcelo), a moça da cozinha que esqueceu as regras de seu
cargo e, largou a bandeja sobre a cama, para poder me abraçar e secar minhas
lágrimas... Pessoas que eu mal lembro o nome, mas em minhas viagens e delírios
com o meu Deus, a minha maneira, eu peço a Ele que nunca lhes falte saúde e
alegria. Dr. Idblan, meu querido, muito obrigada por tudo! Você fez a diferença
na minha vida e na vida de todos os seus pacientes. Vou te contar um segredo:
graças a você, deixei a sobriedade de lado e voltei a me embriagar de
Baudelaire, Leminski, Bandeira, Kléber, Baleiro, Moska, Lenine, Pessoa, Careqa,
Coralina, Lispector, Sampaio, Diniz e tantos mais... Obrigada médico-anjo! Tudo
de bom pra você sempre! E, parafraseando o poeta americano: “Nunca, Idblan,
pergunte por quem os sinos dobram. Eles dobram por você! Saúde e alegrias
fartas e infindas sempre...
Uma paciente...
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